quarta-feira, 30 de junho de 2010

Cantiga De Amigo

Reparastes, donas, quando noutro dia
o meu namorado comigo falou
como se queixava? Tanto se queixou
que lhe dei o cinto. Dei-lhe o que podia;
e pede-me agora o que não devia.
Vistes (antes nunca tal coisa se visse!)
que à força de muito, muito se queixar,
fez-me da camisa o cordão tirar;
o cordão lhe dei; no que fiz tolice;
e o que me pede agora, antes não pedisse.
Das minhas ofertas, João de Guilhade,
enquanto as quiser, não o privarei,
que muitas e boas já dele alcancei;
nem lhe negarei minha lealdade.
Mas de outras loucuras tem ele vontade.
Cantiga De Maldizer
Nunca tal pulhice vi
como esta que um infanção
me faz; com indignação
a todos dizer ouvi:
o infanção, quando quer,
vai para a cama com a mulher
e nem se lembra de mim.
Nunca receio terá
deste que vota ao desdém.
À mulher, a quem quer bem,
sempre filhos lhe fará;
e seus, com desplante diz,
serem os três filhos que fiz.
Leve o demo o que me dá!
Folga ele e peno eu;
não sei de dor semelhante:
deita-se com a minha amante
no leito que diz que é seu
e toca a dormir em paz;
e se filho ou filha faz
não reconhece que é meu.

João Garcia de Guilhade
(trovador português do séc. XIII)

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