Ser homem e ser burro,
ambos (o homem e o burro),
num só corpo fundidos,
não quer dizer que a besta,
que ao mesmo tempo
fala e zurra,
não seja asno
que preste e sirva.
Nenhum homem quer ser burro,
nem aceita que o é,
mesmo quando o que se vê
é um jumento
de sela e cabresto.
Sendo jerico o homem,
aos pinotes e coices, sem a inteligência,
que é o que falta aos burros,
mesmo assim é relevante o burro,
pois que ser asno, mesmo homem também
(embora não o seja inteiro e completo),
é ser diferente de outro homem
que é homem somente, sendo que este,
ao contrário do burro,
só fala, não zurra.
Ser jerico, asno ou jumento
não é diferente de ser burro.
No entanto, o burro (este burro
apenas e não outro burro qualquer)
é um burro importante,
dado que, a um tempo, ser homem e burro
é um modo de ser diferente,
é ser outra coisa.
Mal por mal, é melhor ser outra coisa
do que ser coisa nenhuma.
E, fazendo assim justiça ao burro,
mais não digo, ponto final.
Arménio Vieira
O que nos flutua, zen e nirvana, pedra, ar ou água - pó suspenso e areia alguma, talvez esquecida luz no ínfimo átomo da poesia
quinta-feira, 30 de setembro de 2010
domingo, 26 de setembro de 2010
Reconstituição
Tive de repente
saudade da bebida que eu estava bebendo...
tive saudade e tentei me lembrar que gosto faltava,
qual era a bebida...
Fui procurando entre copos e móveis
e dei com sua boca.
A saudade era dela.
A bebida era o beijo.
Elisa Lucinda
saudade da bebida que eu estava bebendo...
tive saudade e tentei me lembrar que gosto faltava,
qual era a bebida...
Fui procurando entre copos e móveis
e dei com sua boca.
A saudade era dela.
A bebida era o beijo.
Elisa Lucinda
quarta-feira, 22 de setembro de 2010
A Cerva
Sonhei que o cervo ferido pedia perdão
ao caçador frustrado.
(Nemen Ibn el Barud)
De repente tu
recostada em um claro bosque
manjar sereno
intacto?
Estiquei o arco
e disparei
sobre ti
rápidas palavras
rede para caçar o inascível.
Porém nenhuma letra
foi salpicada por teu sangue:
entre um adjetivo e outro
saltaste
mais veloz que a luz da flecha.
Uma vez mais
minha palavra não alcançou a Poesia.
Ilesa
sobre o ramo de uma árvore
porém com lágrimas nos olhos
me suplicavas:
"Tenta novamente,
tenta novamente".
Eduardo Langagne
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
Dirás
dirás:
das flores,
para lá das texturas
e do aroma que se exala
das cores,
o colheres
da vida secreta das plantas
e seus aguares imperceptíveis...
dirás:
dos amores,
nos seus lagares de cama
e da sua lama em chuva,
os arfares
de tanta coisa inaudita
para o teu estio do quotidiano...
ou não dirás nada:
nem das flores,
nem dos amores.
Dizê-los
era nomeá-los
...para quê?
das flores,
para lá das texturas
e do aroma que se exala
das cores,
o colheres
da vida secreta das plantas
e seus aguares imperceptíveis...
dirás:
dos amores,
nos seus lagares de cama
e da sua lama em chuva,
os arfares
de tanta coisa inaudita
para o teu estio do quotidiano...
ou não dirás nada:
nem das flores,
nem dos amores.
Dizê-los
era nomeá-los
...para quê?
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